Entre Memórias e Sonhos


de Sabrina Tancredo Nogueira


Ela chegou em uma tarde. Não esperava!

Era linda, pequena e graciosa com cabelos em laranja e amarelo.

Seus olhinhos vivos e inteligentes brilhavam. Ela veio guardada em uma bolsinha de pano marrom e ficavam de fora somente sua cabeça e bracinhos, dessa forma, ficava ainda mais bonita.

Fiquei feliz demais!

Foi a mãe do meu pai que morava muito longe que me mandou de presente. Não a conheço, tenho uma foto dela. É o que torna este presente mais especial!

Depois desse dia, a Emília, minha mini boneca de pano, ia comigo para todos os lugares. Eu dormia e acordava com ela. Contava-lhe todos os meus problemas e segredos, os beliscões que levava da minha bisavó.

Meus pais eram separados e eu morava com meus bisavós.

Em frente à minha casa havia uma linha de trem muito ativa na época, minha irmã e eu passávamos o dia brincando nela. Nos equilibrávamos em seus trilhos, pulávamos de dormente em dormente; às vezes caíamos, mas aquela linha era nosso parque de diversões.

Em um desses dias, me desequilibrei e caí. Minha Emília voou da bolsinha que ficava no meu corpo a tiracolo e foi parar dentro do valão que ficava entre a linha e nossa casa, mergulhou fundo na água de esgoto que saía dos canos e sumiu.

Tentei resgatá-la com uma varinha mas foi inútil. Chorei, chorei muito! Não me lembro de ter chorado antes. Tinha raiva, muita raiva de mim por ter sido tão burra.

Naquele momento concordei com a minha bisavó quando dizia que eu era burra, desengonçada, feia e má. Como pude ser tão irresponsável com algo tão precioso?

Muitos dias se passaram, não sei dizer quantos, pois só tinha 5 anos.

Tudo perdeu a graça pra mim. Não comi nem dormi direito, a vida, que já não era tão boa, tornou-se insuportável.

De repente meu bisavô, um negro de quase 2 metros de altura, entrou na sala com um objeto bem sujo e fedido na mão dizendo alto (dificilmente nós o ouvimos falar):

– Essa não é a sua boneca, branquela?

Corri para pegá-la, mas a minha bisavó me impediu gritando:

– Tá doida, garota? Vou lavar essa coisa, depois você pega.

Meu coração ia sair pela boca de tanta felicidade! 

Passei alguns dias olhando pra ela no varal com medo de perdê-la de novo.

Quando secou, foi tirada do varal e colocada em meus braços. Ela estava bem diferente! Estava encardida, descabelada e cheirava a água sanitária, mas, mesmo assim, dei-lhe um grande abraço e um longo beijo.

Não importa se mudou, vou amá-la do jeito que está. Afinal, o amor não é isso?


CONHEÇA A AUTORA

Sabrina Tancredo Nogueira

Sou Sabrina Tancredo, nascida e criada em Cariacica. Professora da rede municipal há mais de 15 anos, com formação em pedagogia, gestão pública e serviço social. Minha história pessoal sempre esteve ligada ao compromisso com os movimentos de juventude. Durante anos, tenho trabalhado criando mecanismos de transformação, como biblioteca comunitária, balcão de estágio, feiras culturais e demais projetos na área da educação, cultura, esporte e lazer. Todas essas ações  faço porque acredito profundamente na importância da participação política e na capacidade de criar mudanças positivas na vida das pessoas. 


Para conhecer mais sobre o projeto onde esse conto foi desenvolvido acesse o perfil do Grupo Beta de Teatro e da atriz e escritora Lorena Lima.

Instagram Grupo Beta de Teatro: https://www.instagram.com/grupobetadeteatro/


A 2ª edição da Oficina de Produção de Contos Femininos Autoficcionais, onde esse conto foi desenvolvido, é uma ação cultural aprovada no Edital nº 04/2023 – Valorização da Diversidade Cultural Capixaba, fomentada na Linha 3: Incentivo à Leitura, da Secretaria da Cultura (Secult).


 

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