O Pacto

 


de Mayara Rodrigues Soneghetti


Dizem que o primeiro amor a gente nunca esquece. É o que nos marca, nos muda e nos molda por completo. Comigo não foi diferente. Mesmo que quisesse esquecer eu jamais conseguiria.

Éramos dois adolescentes desabrochando como uma flor na primavera. Tínhamos a vida inteira pela frente, e nos amávamos com a urgência que só os primeiros amantes possuem. Ao nosso redor, tudo era vivo e cheio de cor, havia uma força invisível que nos atraía, como um ímã que atrai certos metais.

Era domingo, o sol queimava nossa pele enquanto caminhávamos pelo pasto que tanto nos era familiar. Íamos em direção à árvore que nos acolhia com sua sombra em nossos encontros. Os pássaros eram nossas testemunhas. Juramos ali amor eterno.

Ele, com as mãos em volta da minha cintura, me propôs um pacto: quando um morrer, o outro volta para buscar o que ficou. Concordei sem hesitar. Retirou do bolso o canivete que levava consigo, e marcou a árvore com dois corações cruzados, e nossas iniciais dentro deles. Exatamente como nas cenas dos filmes de romance a que sempre assisti. Depois de marcar a árvore, foi a vez dos nossos dedos; com um pequeno corte em nossos indicadores, selamos nosso pacto com sangue.

Nessa época, eu ainda estudava, e todos os dias eu o encontrava depois da escola. Todos os dias, pontualmente, ele estava lá. Em nossas conversas, planejamos nosso futuro juntos, trocamos confissões, sonhamos… era uma conexão única, como se fôssemos almas gêmeas.

Até que um dia fomos interrompidos pela força invisível que move o universo, o destino. Recebeu uma proposta irrecusável, um trabalho com um bom salário. No entanto, teria que ir para o interior do nordeste. Discutimos sobre o assunto, e como o casamento fazia parte dos nossos planos, ele partiu, e eu, com dor no coração, fiquei esperando o seu retorno.

Passaram-se alguns dias, e eu não recebi nenhuma notícia. Nenhuma carta sequer. Meu peito estava cheio de saudade e agonia sem qualquer informação. Minha mãe me tranquilizava da forma que podia, e eu ia vivendo, dia após dia, desejando sua volta.

Em uma noite depois da escola, entrei em casa e fui surpreendida. Sentado em minha cama, ele me esperava. A felicidade me consumiu. Falamos sobre tudo, minha preocupação se dissipou, e eu adormeci com ele em meus braços. Seguro, como um filhote perdido de volta para o ninho. 

Na manhã seguinte, minha mãe me desperta com um semblante nada amigável: filha, tenho uma notícia para te dar. Aconteceu uma tragédia. Eu não entendia, ainda estava sonolenta, quando ela continuou: o Luís, seu namorado, morreu. Como assim? Que absurdo! Ele dormiu comigo ontem, cheguei da escola e ele estava aqui me esperando.

A notícia quem trouxe foi um amigo do trabalho. A proposta de emprego não era o que prometeram. Quando chegaram à fazenda, descobriram que se tratava de um trabalho análogo à escravidão. Recebiam em troca do serviço pesado apenas um prato de comida. Revoltados com a situação, organizaram-se para fugir. Esconderam-se em um caminhão com o combinado de que em certa altura pulariam, concluindo a fuga. Porém, ao executar o plano, a noite escura não permitiu que Luís enxergasse uma estaca que servia de estrutura para uma cerca, e pulou. A estaca o perfurou bem no meio do peito.

Os dias seguintes foram absolutamente estranhos, além da dor da perda, eu o via em todos os lugares. Ele aparecia para mim, me chamando, me convidando para ir ao seu encontro. Essas aparições me faziam entrar em uma espécie de transe. Foi difícil continuar com minha rotina e principalmente com os estudos.

Certa noite, enquanto eu caminhava depois da escola, a imagem do Luís surgiu do outro lado da rua. Quando olhei para ele, minha mente foi dominada instantaneamente, uma sensação semelhante à hipnose. Ele sorria para mim, e, em um súbito, atravessei a rua. Por uma fração de segundos, quase fui atropelada.

Minha mãe, preocupada com a situação, me levou a todos os centros religiosos possíveis, do espiritismo à igreja evangélica. Recorremos à medicina, a psicólogos, a psiquiatras… mas nada resolvia, nada o fazia desaparecer. E quando aparecia, eu me desligava por completo da realidade, minha vida estava em risco.

Alguns anos se passaram e eu continuava atormentada pelas visões. Os medicamentos fortes me faziam ter um pouco mais de controle. Até que em uma das consultas com o psicólogo, conheci um rapaz, e nós viramos amigos. A amizade se tornou paixão. Ele entendeu minha história e me apoiou, e nós começamos a namorar.

Meses depois, com o compromisso já firmado, marcamos a data do casamento. E em uma manhã fria, de uma hora para outra, parei de ter as visões com meu ex-namorado. Ele simplesmente sumiu. Acreditei que ele poderia finalmente ter desistido de me assombrar, ou que, de alguma forma, nosso pacto tinha sido quebrado, mas não. 

No dia seguinte, fui ao médico realizar alguns exames de rotina, e descobri que estava grávida.

Foi assim que entendi tudo…



CONHEÇA A AUTORA

Mayara Rodrigues Soneghetti

Mayara Maria, nascida e criada em Vila Velha é apaixonada pelo mar e pela cultura popular. Faz arte desde criança, cria, canta e dança. De espírito inquieto, corpo atento e mente desperta, flerta com diversas linguagens artísticas, mas foi no teatro que encontrou a oportunidade de colocar para fora os universos que cultiva dentro de si.


Para conhecer mais sobre o projeto onde esse conto foi desenvolvido acesse o perfil do Grupo Beta de Teatro e da atriz e escritora Lorena Lima.

Instagram Grupo Beta de Teatro: https://www.instagram.com/grupobetadeteatro/


A 2ª edição da Oficina de Produção de Contos Femininos Autoficcionais, onde esse conto foi desenvolvido, é uma ação cultural aprovada no Edital nº 04/2023 – Valorização da Diversidade Cultural Capixaba, fomentada na Linha 3: Incentivo à Leitura, da Secretaria da Cultura (Secult).

Comentários

  1. Mayara, o seu conto é encantador em sua fluidez. Parabéns por sua escrita, que me convidou a respirar em suspense.

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  2. a escrita e o plot twist me fez ficar tensa e curiosa o conto inteiro!!! sensacional

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  3. Esse conto dá um mix de sensações, do amor ao terror, e de volta ao amor. Ficou muito bom, de verdade!

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  4. Ficou incrível, da vontade de descobrir logo o que acontece, cada frase uma surpresa. Adorei

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